Não é apenas no Brasil que os programas de sócio-torcedor representam parte importante do faturamento dos times de futebol e do contato entre eles e sua torcida. No resto da América do Sul, esses projetos também estão em evidência em diversos rivais dos brasileiros.
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Vale ressaltar que os programas de sócios ganharam força e popularidade nos últimos anos dentro do futebol brasileiro. Um levantamento da Feng Brasil feito a partir dos balanços oficiais dos clubes de 2014 a 2018 aponta que o faturamento dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro com programas de sócios-torcedores cresceu 42% neste período.
Em 2019, por exemplo, no Campeonato Brasileiro, 51% dos pagantes que compareceram aos estádios durante a temporada eram sócios de seu time do coração. Clubes como Vasco e Flamengo chegaram a atingir as expressivas marcas de cerca de 180 mil e 150 mil sócios, respectivamente. O cruz-maltino, aliás, elevou sua condição através de uma campanha histórica de associação em massa.
Em países vizinhos como a Argentina, no entanto, os números são equivalentes e até maiores. Os gigantes Boca Juniors e River Plate possuem mais de 200 mil e 150 mil sócios, respectivamente, de acordo com dados divulgados pela AFA em 2019. Diferente dos brasileiros, no entanto, os argentinos não oferecem tantos benefícios e ativações “diferenciadas” para chamar a atenção dos torcedores. O foco é o apelo para a paixão.
“Isso também é comum no Brasil, mas os argentinos talvez explorem até com mais força em suas campanhas a questão da identidade do torcedor. A mensagem é que se ser hincha daquele time é algo muito importante em quem você é, você precisa ser sócio para provar isso”, explica André Monnerat, diretor de negócios da Feng, empresa especializada no assunto e que cuida dos programas de sócios-torcedores de Santos, Vasco e Flamengo.
No Boca, existe até uma “fila” para se tornar sócio. Todos podem se associar ao clube, mas não terão nenhuma vantagem relacionada a ingressos/acessos aos jogos. Os novos contribuintes serão classificados como “sócios aderentes” e ficarão no aguardo até serem aprovados, enquanto os ativos podem usufruir das vantagens relacionadas a ingressos.
Recentemente, o Olé divulgou um plano ambicioso dos xeneizes para ser o time com mais sócios do mundo. A ideia é chegar em 1 milhão de sócios e várias campanhas já são elaboradas pela diretoria do time sendo uma delas a criação de um plano “Sócio Eterno” em que o torcedor segue afiliado ao clube mesmo após sua morte. O discurso é “perpetuar o fã na eternidade do Boca”.
“Criar metas e divulgar os números de adesões é sempre um combustível para a participação do torcedor, o que também é muito usado em campanhas de crowdfunding. Quando você vê que há mais gente parecida com você fazendo determinada coisa, fica mais estimulado a fazer também. Só é preciso cuidado com a definição de metas ambiciosas, que podem fazer os torcedores sonharem em um primeiro momento, mas causarem frustração e perda de engajamento caso não sejam alcançadas”, analisa.
Do outro lado, o River Plate reconhece que o programa de associados faz parte da história do clube. Os sócios do River, aliás, foram o principal motor da retomada do clube, que há alguns anos chegou a cair para a 2ª divisão. Antes da pandemia de Covid-19, no orçamento previsto para 2019/20, a expectativa de faturamento com associados representava cerca de 30% do faturamento anual da equipe, sendo a maior fonte de renda ao lado da bilheteria.
O clube também trabalha com projetos como o “Tu Lugar en el Monumental”, uma espécie de season ticket para jogos da Copa Superliga e Campeonato Argentino, prática muito comum no futebol europeu.
“Tratar programa de sócios e season ticket como produtos diferentes, mas de certa forma complementares, é algo que existe na Europa há muito tempo e que o River Plate faz bem na Argentina. No Brasil, ao longo do tempo o conceito do season ticket acabou em grande parte sendo absorvido pelos programas de sócio, que oferecem muitas vezes o mesmo benefício sem usar o mesmo nome. Poucos times por aqui trabalham com a venda dos dois produtos, mas é algo que pode ficar mais comum com o tempo”, explica o especialista.
Entre os outros clubes do futebol albiceleste, o Racing, por exemplo, se aproxima um pouco mais das propostas de clubes brasileiros com foco na divulgação e em ativações ao apostar no marketing para alavancar o programa de sócios. Em 2018, o clube chamou a atenção com a campanha #NoHayExcusa que reunia ídolos como Lautaro Martínez, Lisandro López e Diego Milito no papel de torcedores comuns. Além disso, também é possível encontrar programas de férias para associados, similar ao de muitos times do Brasil.
No outro vizinho, o Uruguai, a característica mais marcante está nos planos de moradores do interior. No Peñarol, as categorias são divididas em sócios da região de Montevidéu e daqueles que moram no interior do Uruguai. Para aqueles que são mais ativos, o plano ideal é o “Activo”, que dá direito a voto em eleições.
Já o Nacional possui dois tipos de programas: sócio do interior e sócio do exterior. Os sócios podem optar por pagar mensalmente, trimestralmente ou anualmente. O plano ‘interior’ é aquele para torcedores que moram em Montevidéu ou no interior do Uruguai. Eles são separados em três categorias: “Área Metropolitana”, “Interior Sul” ou “Interior Norte”.
No sócio do exterior, o grande “diferencial” é que em um jogo por mês em que o Nacional joga em casa num sábado ou domingo, o associado do exterior pode doar um ingresso, designado a seu critério, para alguém que esteja no Uruguai.
“É interessante ver que Nacional e Peñarol têm segmentações semelhantes em seus programas em função da localização do torcedor. Isso acontece muito em cidades com grande rivalidade entre dois clubes: o que um faz acaba muitas vezes ganhando uma resposta do outro lado”, pontua.
Como a pandemia afetou o sócio-torcedor?
Assim como no Brasil e em diversas partes do mundo, a pandemia causada pela disseminação do novo coronavírus atingiu as finanças dos clubes e seus programas de sócios torcedor em outros países da América do Sul. No entanto, no Uruguai, por exemplo, a retração foi melhor nos dois gigantes do futebol celeste.
O Nacional perdeu quase 10% do número de sócios durante a quarentena, enquanto a taxa do Peñarol foi ainda menor: 4%. De acordo com o jornal argentino Página 12, no país a “paixão do torcedor foi colocada à prova”. No River, em junho, apenas 7% dos sócios deixaram de pagar a mensalidade.
O Boca preparou diversas promoções para evitar perdas com a pandemia e foi bem-sucedido. O clube fez uma força-tarefa para captar sócios internacionais que poderiam entrar na categoria pelos valores de 5 ou 10 dólares (entre R$ 28 e 56 dentro da atual cotação). A campanha teve quase 2000 aderentes que renderam quase 20 mil dólares (R$ 112 mil) mensais aos xeneizes.