Ultrapassar a fase de assistente técnico para assumir as rédeas de uma equipe pode ser um processo demorado. Assim como o atual treinador do Flamengo (Domènec Torrent) fez há três anos quando chegou ao New York City e, recentemente, aceitou a missão de manter o alto padrão tático e técnico estabelecido por Jorge Jesus.
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Da mesma forma que Dome, porém há pelo menos seis anos, o lusitano José Morais deixou de integrar a equipe técnica do badalado compatriota José Mourinho, com quem trabalhou em Benfica, Inter de Milão, Real Madrid e Chelsea, para traçar sua própria história.
História essa, aliás, onde experiências diversificadas certamente não faltam em diversos centros da Europa (Portugal, Alemanha, Suécia, Holanda, Grécia, Inglaterra, Ucrânia) ou mesmo em outros continentes como África (Tunísia, Arábia Saudita) e a Ásia, sua atual morada.
Comandando o Jeonbuk Motors, da Coreia do Sul, o treinador chegou a um histórico título da K-League para um comandante estrangeiro em 2019, algo provável de ser repetido em 2020 mantida a excelente campanha construída até aqui na atual edição: 15 jogos com 13 triunfos, dois empates e duas derrotas.
Contudo, não apenas do futebol praticado na Ásia vive o treinador atualmente com 55 anos de idade. Isso porque, mediante as mais variadas passagens, o contato com os jogadores da América Latina e até mesmo a possibilidade de trabalhar no Brasil (foi sondado para assumir o Vasco em meio a paralisação das competições) dão propriedade as suas análises.
Seja dos atletas como até mesmo a escola de treinadores portugueses que, nos últimos anos, tem se tornado bastante proeminente.
O contato anteriormente citado com o futebol da América Latina se tornou ainda mais intenso quando, no último mês de julho, ele ganhou um reforço conhecido do torcedor brasileiro: o centroavante Gustagol, ex-Corinthians, Fortaleza e Internacional.
Confira o bate-papo do Futebol Latino com o técnico português José Morais:
Com o sucesso de Jorge Jesus, qual outro técnico português poderia fazer a diferença no futebol brasileiro/sul-americano?
Não é fácil prever o sucesso de um treinador, depende das condições que lhes são dadas, da qualidade do plantel, da estrutura diretiva, do momento do time. Mas a verdade é que o sucesso dos treinadores portugueses em clubes de todo o mundo é inquestionável, por isso estou certo que vários deles possuem condições para ser bem sucedidos no Brasil.
Já pensou em fazer essa experiência na sua carreira de treinar um clube do continente latino?
Já trabalhei em vários continentes e com realidades bastante diferentes. Treinar em Portugal ou Inglaterra, na África, no Médio Oriente ou, como agora na Coréia do Sul, são experiências bem distintas, mas os desafios são os mesmos: construir uma equipe capaz de conquistar títulos. Felizmente tenho conseguido ter uma carreira ascendente e espero continuar crescendo como treinador e pessoa. Meu foco é voltar a ser campeão sul-coreano, mas no futuro quero dar continuidade à minha carreira em qualquer parte do mundo. Sem dúvida seria gratificante ter a oportunidade de trabalhar no Brasil e caso apareça um bom projeto num clube com ambição e ávido por conquistas, eu pego minhas malas e vou pois é isso que me move: a felicidade e a emoção que vejo nos meus atletas e torcedores quando conquistam troféus.
José Mourinho, Jorge Jesus, Nuno Espírito Santo, André Villas-Boas… qual é o grande diferencial da escola portuguesa de técnicos?
Nos últimos 20 anos houve um grande desenvolvimento dos treinamentos em Portugal. Estudos práticos e científicos foram partilhados por pesquisadores interessados e apaixonados pelos componentes que influenciam o jogo de futebol. Isso somado ao sucesso enorme de José Mourinho, com quem tive a felicidade de trabalhar no Benfica, na Inter de Milão, no Real Madrid e no Chelsea, fez iluminar o espaço do treinador português. A grande diferença na forma de trabalhar é o estudo detalhado do jogo em todas as suas esferas, aliando base científica e capacidade de liderança. Há componentes de desenvolvimento pessoal importantes, como o fato de ser relativamente fácil para nós aprender novas línguas e nos integrarmos a novas culturas. Outro fator é a vontade de mostrar que, apesar de sermos um país pequeno em extensão, temos coração e conhecimento para liderar e fazer clubes vencedores em qualquer parte do planeta.
Mesmo sem o poder de investimento, como os técnicos europeus poderiam encurtar a distância entre a América do Sul e o velho continente?
A melhor forma é através da partilha de conhecimento e isso não se faz de um dia para o outro, não se trata apenas de “ter aulas” num curso qualquer on line ou presencial. É preciso por em prática o método que funciona melhor para o atleta sul-americano e equipes multiculturais conectarem as duas realidades. É uma questão de adaptar o conhecimento local à evolução que o futebol mundial teve nos últimos 20 anos, respeitando a especificidade do jogador e do futebol brasileiro.
Qual é a visão da Europa sobre os treinadores brasileiros? Acha que são ultrapassados?
É claro que não, o Brasil tem grandes treinadores a nível mundial, que ganharam títulos com clubes e seleções e tenho a felicidade de conhecer alguns. Mais recentemente os técnicos brasileiros têm sentido um pouco mais de dificuldade na Europa, mas a capacidade existe e é notória.
Além da questão financeira, por qual motivo a Europa deixou de investir em medalhões da América e aposta sua ficha em jovens promessas?
A qualidade dos jogadores brasileiros é inquestionável, por isso acredito que esse fato é uma mera questão de mercado. De repente os valores das transferências de atletas sul-americanos subiram bastante e há sempre um risco elevado quando um atleta vai para a Europa, pois ele pode precisar de um período longo de adaptação, o que impediria a rentabilizaçao do seu investimento. Por essa razão é natural que os clubes sejam um pouco mais conservadores nos seus investimentos e procurem potencializar o talento que desenvolvem nas suas academias em detrimento da “importação” de outros já formados.
Falar que o ponto forte do atleta latino é sua habilidade e do europeu é o aspecto tático é uma ideia ultrapassada? Ou a máxima ainda vale?
O atleta latino é naturalmente habilidoso e penso que essa característica advém do contato com a bola em jogos de rua, por exemplo. Apesar de improvisados, os cenários onde jogam desde pequenos fazem com que desenvolvam qualidades que em outros países com climas diferentes os jovens jogadores não conseguem desenvolver. Por outro lado, na Europa as crianças entram nas academias de futebol muito cedo e começam logo a aprender sobre os princípios e fundamentos do jogo. Evidenciam menos habilidades inatas e focam mais nas questões relativas ao funcionamento do trabalho em equipe e aos aspectos de raciocínio tático. Em relação aos “pontos fortes”, o que diferencia os atletas bons dos muito bons é a sua capacidade de aprimorar as habilidades naturais ou adquiridas, a adaptação a novos contextos de treino e a capacidade de aprender.
Sobre sua experiência no futebol asiático, quais pontos tem te surpreendido em questões táticas e técnicas dos jogadores da liga sul-coreana?
Os jogadores sul-coreanos são incansáveis na vontade de aprender e de por em prática o que lhes é transmitido nos treinos. São muito determinados, têm uma enorme capacidade física, correm durante 90 minutos com a mesma entrega e intensidade, não importando o resultado. Tem sido uma experiência muito gratificante assistir ao desenvolvimento individual e como equipe que eles vêm tendo no Jeonbuk.
Quais as referências que você conseguiu obter do Gustavo antes da chegada do atacante?
O Gustavo já jogou em Portugal e eu não o conhecia bem, mas ouvi comentários elogiosos sobre ele e fico feliz que esteja comigo no Jeonbuk. Creio que será importante para a equipe, que está lutando pelos títulos da K-League, da Taça da Coréia e da Liga dos Campeões da Ásia. Espero que continue a trabalhar da mesma forma, pois estou certo de que seguindo como está, nos ajudará muito. Gosto da qualidade e da atitude dele.