*Por Agência Conversion
O filósofo e sociólogo hispano-colombiano Jesus Martín-Barbero diz em seu livro mais famoso, Dos meios às mediações, que o futebol foi um elemento fundamental na formação das identidades dos países da América do Sul após as independências. De fato, em cada nação do continente é possível citar ao menos dois times que arrastam multidões para os estádios e ajudam a contar boa parte da história nacional, assim como fazem parte do imaginário popular.
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O futebol sul-americano, além do mais, é respeitado mundialmente não apenas a nível dos jogadores e técnicos, que sempre se tornam estrelas de equipes europeias, mas também institucionalmente, por meio da força das federações locais nas decisões importantes da Fifa.
Esse reconhecimento não alcança a maior parte dos vizinhos da América Central que, apesar das ligas menores e jogadores pouco conhecidos no exterior, não deixam de fazer do futebol um elemento nacional importante. Pode-se dizer que a maioria das nações da franja entre a Colômbia e o México – que reúne sete países (Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala e Belize) – é tão apaixonada pelo momento do gol quanto os sul-americanos.
Algumas das exceções a isso se deve à popularidade do beisebol, assim como nas ilhas do Caribe, como Cuba, e até mesmo na Venezuela. Para se ter uma ideia, enquanto o time de futebol mais popular da Nicarágua, o Diriangén, tem um estádio com capacidade para apenas 7 mil pessoas, o clube de beisebol com maior torcida do país, o Indios del Bóer, possui uma moderna arena para 20 mil.
“Na Nicarágua, o esporte mais popular é o beisebol, mas nos outros países da América Central é o futebol. Talvez no Panamá haja uma divisão entre futebol e beisebol, mas na Costa Rica, na Guatemala e em Honduras é puro futebol”, comenta o jornalista Fabrice Le Lous, editor do principal diário jornalístico nicaraguense, o La Prensa.
Para ele, a popularidade do beisebol está ligada às intervenções estadunidenses nos países da região durante o século XX. “Foram países ocupados pelos Estados Unidos e que viveram ditaduras próximas aos estrangeiros, como foi com a família Somoza, na Nicarágua. Isso facilitou a popularidade desse esporte. No caso panamenho, a construção do canal também aponta para esse fator”, completa.
Na Nicarágua, o Diriangén é a equipe mais antiga e que reúne a maior torcida de futebol do país. Fundado em 1917, foi campeão nacional 26 vezes, mas jamais conquistou um torneio continental. A única vez que disputou algum campeonato entre clubes de outros países foi em 1997, quando foi eliminado na primeira fase da Copa dos Campeões da CONCACAF – o torneio equivalente à nossa Libertadores. Seu grande rival é o Real Estelí, fundado nos anos 1960 e que, ao contrário, chegou a disputar as quartas de final da Copa UNCAF – “nossa” Copa Sul-Americana.
O Panamá também ainda tem uma preferência pelo beisebol, apesar do crescimento do futebol que culminou na primeira classificação da seleção nacional para uma Copa – a da Rússia, no ano que vem.
Mesmo com apenas quatro times disputando a liga nacional de beisebol – três deles da capital, Cidade do Panamá -, todos eles possuem grandes torcidas e promovem grandes audiências aos canais de televisão. O campeonato começou a ser disputado nos anos 1940, apesar de constantes paralisações e mudanças nos regulamentos. Os times de beisebol jogam no Estádio Nacional Rod Carew, uma arena moderna que pode receber até 30 mil pessoas. O futebol panamenho, por sua vez, se organizou só a partir de 1988 por iniciativa dos seis principais clubes existentes no país à época.
A “hierarquia” dos times de futebol é bem distribuída: o Árabe Unido, da cidade de Colón, é o maior vencedor do campeonato nacional, com 12 conquistas, e o que chegou mais longe no principal torneio continental da região, a Copa dos Campeões da CONCACAF: em 2010, 2014 e 2017 a equipe foi até às quartas de final. No entanto, o clube mais popular é o Plaza Amador, fundado nos anos 1950 e que possui um estádio chamado Maracanã, com capacidade para 5 mil pessoas. Outro time grande do Panamá é o Tauro, que faz o clássico nacional com o Plaza.
No mês passado, com a classificação inédita para a Copa do Mundo, as discussões sobre a organização do futebol no país voltaram à tona. “A liga precisa ser nacional, sustentável e familiar. As fusões entre os clubes devem acontecer logo, ainda que quatro ou cinco lamentem”, escreveu o jornalista Álvaro Martínez em um artigo publicado no diário El Siglo.
Os casos nicaraguense e panamenho, no entanto, são a exceção: os campeonatos nacionais de futebol da Guatemala, Costa Rica e Honduras reúnem grandes equipes locais, jogadores que já atuaram na Europa e grandes públicos nos estádios e na frente das televisões.
O principal time de futebol da América Central é provavelmente o Deportivo Saprissa, da Costa Rica: 33 vezes campeão da liga costarriquenha e dono de oito títulos internacionais – cinco Copas da UNCAF e três Copas dos Campeões da CONCACAF -, o time tem como grande feito a disputa das semifinais da Copa do Mundo de Clubes da Fifa, disputada no Japão em 2005. A equipe foi eliminada pelo Liverpool após uma derrota por 3 a 0, em Yokohama. O time inglês perderia a final para o São Paulo, no mesmo estádio, dias depois.
Entre os ídolos do Saprissa, estão o atacante Evaristo Coronado, que jogou por 14 anos no clube e jamais vestiu outra camisa – hoje gerente esportivo do clube -, além de ser um dos grandes artilheiros da seleção, e o goleiro Keylor Navas, que foi contratado pelo Real Madrid após brilhar na Copa do Mundo de 2014 com a seleção. O estádio do time, que leva o mesmo nome, possui capacidade para 30 mil pessoas e uma torcida que, assim como as sul-americanas, costumam promover espetáculos durante os jogos.
A Costa Rica, no entanto, ainda possui dois outros grandes clubes: o Alajuelense, que já venceu o campeonato nacional 29 vezes e possui um dos estádios mais modernos do país, e o Herediano, uma das primeiras equipes de futebol do país e por onde passou o grande ídolo internacional da história da Costa Rica: o atacante Paulo Wanchope, que disputou as Copas de 2002, no Japão e na Coreia, e de 2006, na Alemanha, como titular da seleção, além de ter passado por grandes clubes europeus, como Manchester City, West Ham e Málaga. Ele é o atual treinador da seleção de futebol que se classificou para o Mundial da Rússia.
Depois do Saprissa, um dos times mais conhecidos do futebol centro-americano é o Olímpia, de Honduras: é a equipe mais popular do país (78% da população diz torcer pelo Olímpia), a que mais venceu títulos nacionais (30 vezes), a única hondurenha que conquistou a Copa dos Campeões da CONCACAF (1972 e 1988), a que possui o maior estádio do país, com capacidade para 35 mil pessoas e, desde 2009, o único time de Honduras reconhecido pela International Federation of Football History & Statistics (IFFHS) como um dos grandes do século XX.
O Olímpia é também um dos poucos clubes da América Central que possui barras, a Barra del León e a Ultra Fiel, influenciadas por Carlos Prono, goleiro argentino que atuou no futebol hondurenho nos anos 1990 e que também fez surgir torcidas organizadas em todos os times do país, como os Revolucionarios, do tradicional rival Motágua.
Enfim, o terceiro grande clube centro-americano é o guatemalteco Comunicaciones. Campeão nacional por 30 vezes e com um título da Copa dos Campeões da CONCACAF, a história do clube é curiosa: Fundado em 1920 por incentivos do então presidente do país, o general José María Orellana, era formado por atletas amadores do maior hospício da Guatemala que, nas horas de folga, podiam praticar esportes.
Nos anos seguintes, o time se tornou um paradoxo: Ao mesmo tempo em que era popular no país, as diretorias do manicômio decidiam proibir as práticas de futebol dentro das instalações ao longo dos anos. A solução foi levar os jogadores para atuar em campos externos que, segundo os historiadores, sempre atraíam multidões. Nos anos 1950, já sendo uma das atrações nacionais, o Ministério das Comunicações, Correios e Telégrafos da Guatemala resolveu financiar o clube, dando o nome que possui até hoje.
O Comunicaciones manda seus jogos no principal estádio da Guatemala, o Olímpico de la Revolución, na capital do país. Com capacidade para 26 mil pessoas, é também a casa da seleção guatemalteca e palco de diversos acontecimentos políticos da história do país. Entre os jogos históricos do clube no Olímpico estão as derrotas por 2 a 1 para o Santos de Pelé, em 1959, por 4 a 0 para o Real Madrid de Di Stéfano, em 1961, e por 1 a 0 para o Boca Juniors de Maradona, em 1981.
Poucos times brasileiros atuaram contra centro-americanos: Em 1959, o Santos de Pelé venceu o Saprissa, na Costa Rica, por 3 a 1, num jogo até hoje considerado lendário no país. O Náutico chegou a realizar uma excursão por Jamaica e Trinidad e Tobago em 1972 e, em 1981, o Corinthians viajou à região, onde enfrentou – e venceu – o Comunicaciones, na Guatemala, por 1 a 0.