*Colaboração da Agência Conversion
Se há algo que o futebol não proporciona são consensos. Mesmo as listas mais respeitadas e produzidas por entidades importantes, como a FIFA, que organiza o esporte a nível mundial, e a IFFHS (International Federation of Football History & Statistics), que atualiza a lista de pontos de seleções e clubes de todo o planeta, geram controvérsias e reclamações.
É clichê dizer isso, mas futebol é mais paixão que racionalidade. Isso explica tudo”, opina o jornalista esportivo Guilherme Henrique, com passagens por Lance! e Rádio Bandeirantes.
Nos últimos anos, com o aumento de passagens aéreas internacionais vendidas para destinos latino-americanos, muitos turistas do Brasil descobriram não apenas os países vizinhos, mas também suas tradições e costumes futebolísticos, antes restritos apenas à Argentina, tradicional rival da seleção brasileira.
É interessantíssimo observar como os brasileiros voltam dessas viagens encantados pelo futebol da região, que é tão ‘religioso’ quanto o nosso”, comenta Gustavo Mariotto, diretor de marketing de uma das maiores agências de viagens online do país.
Quando viajou a Buenos Aires, o advogado Gabriel Mendes também ouviu o mesmo relato de uma fonte ainda mais “qualificada”: o guia do tour organizado pelo Boca Juniors pela sua temida casa, La Bombonera. “No grupo em que eu estava, das 30 pessoas, 25 eram brasileiras. O rapaz que nos levou para conhecer ficava fazendo piadas o tempo todo”, conta. “No final, ele contou que os brasileiros são incríveis, e que ele só teve dimensão disso porque aumentou muito o contato diário com turistas daqui por lá”, completa.
No entanto, alguns dos estádios tradicionais do futebol latino-americano não são tão bonitos quanto outros estádios menores, alguns até desconhecidos, e que são verdadeiras obras-primas arquitetônicas. Sabendo que essa lista não vai gerar um consenso – assim como o futebol –, tentamos elencar aqui alguns dos estádios que acreditamos serem os mais belos da América Latina.
Monumental Banco Pichincha (Estádio Isidro Romero Carbo)
Guaiaquil, Equador
“En mi país, Brasil, está el estadio más grande del mundo, el Maracanã, pero este de Barcelona es el estadio más bello del mundo”. grafada em uma placa na entrada do Monumental Banco Pichincha é um dos maiores orgulhos do dono do estádio, o Barcelona de Guayaquil, do Equador, porque foi dita por ninguém menos que Pelé, em junho de 1993, durante a Copa América daquele ano, quando ele viajou ao país como comentarista de TV.
Desde então, o estádio aparece frequentemente nas listas dos mais bonitos do mundo. Em 2015, a renomada revista britânica Four-Four Two, por exemplo, o colocou na lista dos 20 melhores estádios do planeta, levando em conta elementos como conforto e atmosfera da torcida – à frente de estádios europeus como o Anfield Road, do Liverpool.
Inaugurado em 1988, o estádio foi projetado por uma autoridade da arquitetura e engenharia de estádios de futebol: o equatoriano Ricardo Mórtola, que também trabalhou nas obras do Casa Blanca, da LDU, reformou a casa do Emelec, também em Guayaquil, e foi convidado para remodelar estádios colombianos, venezuelanos e até a Bombonera, na Argentina, cuja ideia acabou não se tornando real.
Para o Barcelona, Ricardo previa um estádio que fosse grande, pois o clube já era o mais popular do Equador, com cerca de cinco milhões de torcedores. Construiu arquibancadas únicas e espaçadas, cercadas por andares de camarotes, tribunas e salas ao alto que dão um aspecto distinto ao estádio, semelhante ao de uma espécie de coliseu moderno – o mesmo estilo é visualizado no Estádio Casa Blanca, da LDU de Quito.
Quando foi inaugurado, a capacidade era de 50 mil pessoas, mas a construção de fileiras maiores de arquibancadas nas laterais – como se fossem dois tobogãs do Pacaembu, de São Paulo – aumentou os lugares para 80 mil, com vistas à Copa América de 1993. Já pintado de amarelo ouro, a cor do Barcelona, o estádio chamou a atenção da imprensa mundial durante o torneio. Dependendo das luzes, o jogo de cores das cadeiras dá a impressão que, mesmo vazio, o estádio está tomado por torcedores.
Para além da beleza, o Monumental Banco Pichincha é um alçapão que favorece o clube da casa: quando um dos membros do CIP (Centro de Inteligência do Palmeiras) viajou ao Equador para assistir uma partida do Barcelona de Guayaquil contra o Emelec, pela liga local, antes do confronto entre os dois times pelas oitavas de final da Copa Libertadores, informou ao técnico Cuca que, mais do que a força da equipe em campo, os jogadores brasileiros sofreriam com a velocidade equatoriana embalada pela pressão vinda das arquibancadas. No final, o Palmeiras saiu derrotado por 1 a 0.
El Palacio (Estádio Tomás Adolfo Ducó)
Buenos Aires, Argentina
Cinco minutos e quarenta segundos. É o tempo de uma única tomada do filme argentino “O Segredo dos Seus Olhos” entre um voo rasante pelo El Palacio, em Buenos Aires, durante uma partida de futebol até uma perseguição pelas dependências do estádio protagonizada pelo ator Ricardo Darín, uma das grandes estrelas do cinema latino-americano.
Vencedora do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na premiação de 2010, a obra levou o sucesso também para a casa do Huracán, no bairro de Parque Patricios, periferia da capital portenha. À época, o jornal espanhol Marca fez uma reportagem contando sobre a paixão por futebol do diretor do filme, Juan Campanella, e do escritor do livro que lhe deu origem, Eduardo Sacheri, um torcedor do Independiente e outro do maior rival, o Racing. “A solução foi gravar no estádio do Huracán, que é um dos mais lindos de Buenos Aires”, comentou Campanella à época.
O clube, obviamente, foi beneficiado pela fama repentina. No final do ano passado, a prefeitura de Buenos Aires passou a oferecer um tour por alguns dos estádios mais famosos da cidade – entre eles, La Bombonera, do Boca Juniors, Monumental de Núñez, do River Plate, e, claro, El Palacio. Antes, em abril de 2016, o Google incluiu a casa do Huracán no Street View, seu serviço de visualização em 360º disponível online. Com ele, é possível passear pelas arquibancadas e até no gramado como se estivesse lá dentro.
Enfim, o clube também teve um aumento no número de visitantes: desde que “O Segredo dos Seus Olhos” ganhou o prêmio máximo do cinema mundial, milhares de turistas em Buenos Aires se deslocam até Parque Patrícios para conhecer o estádio. “Brasileiros começaram a aparecer aqui perguntando sobre o local exato da gravação, a arquibancada ‘popular visitante’. Campanella deixou algo bom aqui”, conta a secretária do estádio, Myriam Santillan.
Escolhido para diversos outros eventos importantes (sediou o primeiro grande show da lendária banda argentina Los Redondos, em 1993, e um dos maiores comícios políticos da ex-presidente do país, Cristina Kirchner, em 2011, além de diversas gravações de outros filmes, telenovelas e peças publicitárias), o estádio é famoso também por sua beleza: inaugurado em 1947 e tocado pela mesma equipe que projetou a Casa da Moeda, também em Buenos Aires, ele possui uma fachada clássica que lembra a Casa Branca, sede do governo estadunidense. Em 2007, foi declarado Patrimônio Histórico da capital argentina.
É esteticamente lindo, com espaços para muitas entradas populares e poucas plateias. Falta apenas manutenção, pois é um estádio velho”, comenta o argentino Mauro Ricardi. “É o estádio de futebol mais incrível do país. Sempre no mesmo lugar, sem nenhum tipo de mudanças”, completa Juan Garfune, também de Buenos Aires.
Atanasio Girardot
Medellín, Colômbia
Em 2013, uma equipe de arquitetos e engenheiros da Universidad Mayor de Antioquia se debruçou sobre o projeto arquitetônico do estádio da capital da província, Medellín, no bairro de Suramericana. Casa dos principais times da cidade – Atlético Nacional e Independiente – desde que foi inaugurado, em 1953, o Atanasio Girardot chamou a atenção dos pesquisadores pela ousadia de suas linhas geométricas, que, ao contrário dos manuais, não seguem medidas idênticas nem iguais.
Quem olha para o estádio do alto, consegue perceber que todas as arquibancadas, das laterais do campo às traseiras dos gols, têm dimensões distintas, dando a impressão de que elas se movimentam. A ideia, segundo o estudo, era fazer com que o estádio se assemelhasse às montanhas de Medellín, que podem ser vistas de qualquer lugar da cidade. O mesmo modelo foi seguido em outros polos esportivos paisas, como o ginásio Jorge Hugo Giraldo e a quadra de vôlei Yesid Santos, ambos pertencentes ao complexo Atanasio Girardot.
Os projetos dos tetos de todo o complexo têm uma topografia arquitetônica com qualidades específicas paisagísticas e espaciais. De longe ou do alto, a imagem geográfica é bastante abstrata e festiva”, diz um trecho do documento. Todo o complexo foi projetado pelo colombiano Guillermo González Zuleta, reconhecido em seu país como o mais célebre arquiteto da história.
O estádio é bonito porque, além das formas geométricas muito diferentes do que estamos acostumados no Brasil, como se Oscar Niemeyer tivesse construído um de nossos estádios, ele parece emoldurado pelas montanhas da cidade ao fundo”, conta o jornalista brasileiro Guilherme Henrique, que visitou Medellín em 2014.
A força da torcida se fez presente no ano passado, quando o Atlético Nacional venceu a Copa Libertadores da América com uma excelente campanha no estádio. Em 2013, quando o São Paulo foi jogar por lá pela Copa Sul-Americana, se impressionou não apenas com o seu modelo, mas com a ausência de grades separando torcida e campo. À época, uma pequena reforma já tinha alterado a vista das arquibancadas, pintadas com tons de vermelho, roxo e marrom para a Copa do Mundo Sub-20 de 2011.